
Esta ideia só tem um problema: rapidamente vamos constatar que, para entendermos na totalidade alguns dos livros que estes senhores escreveram, vamos ter de ler coisas que se escreveram sobre eles e, depois disso, relê-los. Meu Deus, mas isso leva uma vida inteira!, exclamamos nós. Ninguém disse que era fácil a demanda do sentido de todas as coisas. Como disse Calvino: «Não se lêem os clássicos por dever ou por respeito, mas só por amor. Salvo na escola.» Acrescento que não devemos tentar lê-los a todos, porque como, disse um dia um filósofo, «toda a experiência humana é um imenso livro do qual apenas temos tempo de ler alguns capítulos».
Perante isto, pensamos nós, bom mesmo, para nos facilitar a vida, era alguém ter sido capaz de escrever um livro possível de ler e onde estivesse escrito o sentido de todas a coisas. Houve até em tempos alguém que o fez - não, não é a Bíblia. Esta história está descrita num texto de Voltaire chamado Micromegas (vale a pena ler, até porque a dimensão da obra não é grande e, no entanto, o seu conteúdo é imenso). Este livro relata-nos a história de «um jovem de espírito de oito léguas de altura: entenda-se, por oito léguas, vinte mil passos geométricos de cinco pés cada um, que vivia num desses planetas que giram em volta da estrela de Sírio» e que, por mero acaso, veio parar ao minúsculo planeta Terra. Depois de algumas reflexões e muitas peripécias, que poderão apreciar quando lerem o livro, o jovem de espírito e de sabedoria gigante propôs-se escrever um livro em letra muito miúda, de maneira que os seres microscópicos chamados homens pudessem lê-lo, e onde estaria contido o sentido de todas as coisas. Este texto seria escrito para oferecer àqueles homens da Terra que achavam que sabiam o segredo de tudo e que tudo era feito unicamente para o homem. Feito isto, o livro O Sentido de Todas as Coisas foi levado como um tesouro para ser aberto apenas pelo secretário da Academia das Ciências de Paris. Qual não foi a surpresa quando este o abriu e viu apenas um livro em branco. «Ah! Bem que eu desconfiava…», disse ele.